O MENINO

 

Uma imagem me persegue. Eu deparei com. ela ontem, à tarde, próximo da minha casa: tratava-se de uma senhora, com a aparência de uma avó, que caminhava lentamente, segurando a mão de um menino pequeno,  acompanhado-a resignadamente ao longo da rua.  Eles não se falavam, apenas caminhavam lado a lado.

Eu os observo se afastando até desaparecerem na distância. Uma senhora e um menino silenciosos, absortos em dois solilóquios. O que aconteceu ou acontecerá na vida destes dois personagens, alheios a paisagem e perdidos em seus pensamentos e elocubrações! Uma senhora e um menino, o princípio e o ocaso da existência!

Lembrei-me de Milan Kundera que começa um livro com uma pessoa com gesto de mão estendida acenando para alguém que está partindo num porto. A partir daí, o genial escritor desenvolve uma história do passado, do presente e do futuro que se sintetiza num gesto de adeus. 

    O menino iniciando a vida e a avó despedindo-se dela, rumando para dois fins intercalados, num futuro distante e o outro próximo, se algum acontecimento inesperado não mudar o que a natureza programou. Dois pólos que se confundem naquela imagem que se desdobra, a passos lentos, pela rua cumprida que se estende até que eu os perco de vista. 

Evoco o menino que fui e que me acompanha na minha jornada por aqui. Pensativo, transformador, curioso e inquisitivo que queria desvendar o mundo e mudá-lo como se a existência fosse um sonho de verão! Um sonhador, a aspirar que tudo fosse transformado de acordo com os desejos que tinha e dos sonhos que sonhava.  Este era o infante absorto e divagativo que eu vi na rua ontem!

Entretanto, entre o sonho e a realidade existe um abismo que o menino nunca conseguiu transpor. Ele  vaga, desde sempre, a tentar, ao menos compreender o mundo e depois transformá-lo. Não aconteceu nem uma coisa e nem outra! 

Aquele menino que segue numa rua deserta pelas mãos de sua avó, perdeu-se naquela rua sem fim e sem horizonte. Virou um adulto intranquilo e inquieto que escreve compulsoriamente para não enlouquecer. 

E hoje, a sua memória flutua entre a realidade e o vazio, sem as mãos da avó que o conduzia, perdeu-se neste mundo cada vez mais confuso, mais violento e inóspito que oscila à beira de um precipício. 

                                   Renato Gomes Nery. E-mail – rgnery@terra.com.br

Deixe um comentário