UMA TRAGÉDIA LATINO-AMERICANA  

                                               

                                 Moro num país tropical, abençoado por Deus
e bonito por natureza, mas que beleza! Estes versos fazem parte da canção País Tropical de Jorge Benjor de grande sucesso, no final da década de 60 do século passado. Por ironia, estávamos em pleno recrudescimento do regime militar que mandava e desmandava, a seu talante, no País.

                                      Ao poeta é dado a liberdade para expressar o que quiser, sob os eflúvios de suas inspirações, a nos dizer coisas belas como na estrofe da canção, acima transcrita.  Entretanto, a bênção de Deus deve estar vindo num lombo de um jegue que se perdeu no caminho. Só resta, nos trópicos, a quentura de um clima inamistoso.

                                       Inflação acima de dois dígitos!  Alta de preços! O teto de gastos é uma questão seríssima, pois não se pode gastar mais do que se ganha ou arrecada. Enfim, entramos na mesma ciranda de que saímos há 30 anos. Esta estultice deveria ser crime de lesa pátria, pois já nos levou ao fundo do poço no passado. Os seus autores deveriam ser presos nas masmorras, ad eternum.  Deixa-se o País chegar à beira do abismo e depois sensibiliza a todos com a marota desculpa de que é preciso ajudar os pobres, mas este pretexto é para atender a interesses pessoais, em época de eleições.

                            Neste País, pode-se tudo. Respaldado no cinismo e, em pretensos princípios democráticos, se libera a venda armas e munições. A velha e perniciosa corrupção é companhia cativa de todos os nossos governos.  Mata-se, sem restrições: de indigência, de abandono, fome e de balas dirigidas e perdidas. Cultua-se torturadores. Gastou-se e gasta-se sem limites. Zomba-se da ciência e até receita-se remédios, como porções mágicas que não servem para nada. Enfim, não temos limites e, sem estes, meu caro leitor, não chegaremos a lugar algum, se é que temos, ao menos, uma direção.

                            Somos prisioneiros do universo do escritor Gabriel Garcia Marques: um círculo vicioso, onde tudo se repete. Cansados de uns voltamos a outros. E depois, cansados destes voltamos aos primeiros. Não temos futuro! Nosso futuro é repetir o passado!

                            Acho que, nesta quadra, nem a luz dos nossos poetas e nem a inspiração de nossos escritores pode nos salvar. O nosso respiradouro, em tempos difíceis de repressão, era a luminosa inspiração dos nossos compositores musicais que produziram tanta coisa inteligente e bela. Mas eles ficaram velhos e não produzem mais e os novos, com raríssimas exceções, são de uma sonoridade de um disco furado. Até o nosso humor padece da mais completa senilidade, pois os nossos maiores humoristas já morreram ou estão pela hora da morte. Enfim, nem o nosso bom humor salvou-se. Afundamos de vez neste tédio sem perdão e sem salvação. Uma completa, acabada, tediosa e consumada chatice!

                            Hoje é um destes dias em que a minha disposição me abandonou e vago num deserto a procura de um alento. Olho para as eleições de outubro e tenho vontade de chorar. Os que são querem continuar e os que foram querem voltar, sob as bênçãos do povo cativo. Enfim, mais uma das tantas tragédias latino-americanas.

                    Renato Gomes Nery. E-mail- rgnery@terra.com.br

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