Surpreendente é o mundo, curiosa é a vida. Gostaria de poder comer tudo que quero, gosto e que me apraz, mas, segundo o médico – se assim o fizer – posso agravar alguns problemas de saúde e engordar. Tenho vontade de fazer tanta coisa, mas a mente é traída pelo corpo que não ajuda. Lembro sempre de Will Durant que dizia que na juventude temos o fogo e na velhice a luz, mas que esta não vai muito longe sem aquele.
Sonhei em fazer tanta coisa, mas estou limitado pelos anos. Tenho, hoje, certeza de que a melhor idade não é a velhice. Neste outono da vida, o ânimo me abandonou. Gostaria de comer e engordar até as costas rachar. De tomar vários porres, mas a ressaca me amedronta, até por que a minha resistência às bebidas alcoólicas me abandonou. De namorar todas as belas mulheres deste Cuiabá de açúcar. Gostaria de viajar e conhecer o mundo que não conheço, pois ele me fascina com a sua geografia primorosa e sua história fantástica.
E me pergunto por que não viajo? Alguns compromissos ainda me iludem e me aprisionam. Acho que são desculpas que tenho para não sair do lugar! Enfim, pensar é muito bom, mas pensar demais nos deixar indecisos e inseguros. Malditos anos!
Houve períodos na vida que eu gostaria de ser Guliver, Maro Polo ou Júlio Verne e sair por aí sem destino, a desafiar o bom senso e a lógica, conhecendo além do longo horizonte que me encantava e ainda me deslumbra. Olhava para onde o sol nascia ou se punha e dava azo a minha fértil imaginação e aos meus incontidos sonhos e devaneios.
Sonhei em ser Don Quixote, o cavaleiro andante, para sair por aí a combater as agruras e as maldades do mundo, a lutar pelo amor de Dulcineia que eu ainda não encontrei. Falta-me ânimo e um fiel escudeiro como de Sancho Pança. Acho que falta tanta coisa e a solidariedade é uma delas, neste mundo onde se cultua tantas bobagens e tantos anti-heróis.
Depois de namorá-la por longos anos, casei-me definitivamente de papel passado com a solidão e descobri que este casamento é indissolúvel: na alegria e na tristeza, na saúde e na doença para todos os dias da vida, até que a nos morte separe. Enfim, um pacto indissolúvel sem perdão e sem remissão.
Entretanto, me lembro que tanta gente, em idade além da minha, deu a volta por cima e partiu, apesar de tudo, para um recomeço. Fica, portanto, aí o desafio a me olhar de soslaio e a me lembrar do que disse Cristo para Lázaro: levante e anda! Esqueci ou me recuso a lembrar que eu sou aquariano, o signo dos recomeços e que posso virar cinzas e ressurgir várias vezes!
Renato Gomes Nery. E-mail – rgnery@terra.com.br