A DISCRIMINAÇÃO

Ela percebeu desde cedo que havia um fosso intransponível tendo como base a cor da pele. Não tinha as luzes do saber. Somente a intuição e a fé eram os seus guias. Esta era minha mãe, uma parda de uma mistura indefinida de índios, brancos e, sobretudo, de negros. Lutou desde cedo contra as imensas adversidades de ter nascido num lar humilde, no interior da Bahia, de onde migrou com sua família fugindo de uma vida dura, adversa e cruel de obstáculos mil.

Percebeu desde cedo que a cor da pele era um obstáculo intransponível a ser vencido, numa sociedade machista e supremacista que dissimulava a sua cruel discriminação contra os índios e, sobretudo negros e seus matizes. O que fazer num ambiente hostil como este? Apegou a sua intuição e, sobretudo, a sua fé inquebrantável que removeu montanhas ao longo da sua vida, já que não dispunha de outros atributos. Incorporou, por não vislumbrar na época e no cafundó onde morava outra opção, a teoria da Síndrome de Estocolmo – que sequer tinha sido criada – e consistia, após longa intimidação, em adaptar, absorver e defender as teses do seu algoz, tornando-se um deles. Se não havia alternativa a não ser tornar-se branco, vamos esbranquiçar! Esta é uma cruel sina que ainda permeia a nossa sociedade até hoje. Uma forma cruel de dominação que o colonizador encontrou de deixar negros e índios seus eternos servos, uma vez que nenhuma destas raças pode transformar em raça branca, o que resultou no maior caldeirão de miscigenação do mundo. Nos aprisionaram num círculo vicioso que nos impede até hoje de encontrar a nossa identidade.

Trabalhou comigo um advogado que tinha a cor da pele clara, mas o seu cabelo crespo denunciava a sua origem. Ele sempre tinha restrições contra pessoas humildes, pobres e, sobretudo negros, pois carregava o componente adquirido de querer ser o que não era, ocultando e desprezando a sua ascendência. A minha mãe não discriminava ninguém, mas a luta pela sobrevivência a fez vestir a camisa de força da classe dominante ao dar conselhos como estes: – “Eu limpei a minha raça casando um branco. Não vá se casar com preto para criar urubus”-. O certo que eu descendo de escravos negros e vejo com satisfação a autoafirmação dos negros no Brasil e no mundo, combatendo com vigor a descriminação e seus selvagens desdobramentos.

O rico e abundante sangue negro corre nas veias do maior atleta do século, de um supercampeão de fórmula e 01, de um exemplar ex-presidente dos EUA e da sua futura vice-presidente, entre tantos outros membros ilustres da indomável raça negra. Registro que me encanta a alegria dos negros. A África é o continente da cor e da alegria. Os filmes que vejo na televisão sempre retratam pessoas vestidas em cores alegres e cantado. Constato que eles ajudaram a tornar este pais, situado no fim do mundo, melhor com a sua alegria contagiante plasmada no samba e no carnaval.

É difícil vislumbrar o fim do estigma que impuseram aos negros e outras minorias pela odiosa discriminação. Entretanto, a roda da história avança na autoafirmação em todo o mundo, apesar de todas as dificuldades e percalços. Quiças…. Chegará certamente o dia que a chama da alegria africana tomará conta do mundo tornando-o menos hostil, mais fraterno e mais humano.

Renato Gomes Nery – E mail – rgnery@terra.com.br

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