OS OLHOS FORASTEIROS

O Brasil é, sobretudo, um país do interior. Formou-se aqui uma sociedade rural com cara, costumes, tradições e um jeitinho de interiooorr…! A força telúrica da nossa rica cultura! A vasta e prodigiosa literatura! A belíssima música caipira de raiz e o realce dos encantos dos sertões deste imenso Pais! A encantadora cabocla! O cabra sério, trabalhador e honesto! Os imensos campos e florestas que a insensatez não quer ver de pé..

Eu não saí do interior e nem ele de mim. Tenho sempre em casa uns mimos, comprados com antecedência, para entregar aos que me visitam. Para mim é sempre um prazer receber ou dar regalos que constituem um belo gesto da boa convivência interiorana. Este é um hábito que carrego com carinho e apreço comigo. É comum no interior fazer visitas com a família inteira e se levar um desvelo qualquer. Por exemplo, umas fatias de bolo de 05 minutos. Uns ovos, umas frutas colhidas a mão nos imensos quintais ou a carne de um capado criado no quintal.

E não se sai de uma visita sem trazer uma lembrança qualquer, preparada com esmero pelas donas de casas. O apreço não tem preço, como afirma uma canção popular! Hoje, por aqui, eu me sinto um estrangeiro! As pessoas mal se cumprimentam e, muitas vezes, um bom dia sequer é respondido. Perdeu-se, nas metrópoles, a civilidade deste saudoso País que se espelha no exterior. Onde ficaram os bons modos, a gentileza deste Brasil varonil, tão querido, tão amável, tão fraterno e tão amigo? Insistimos, o Brasil é um País formado no interior que sustentou os nossos costumes, tradições e a nossa rica cultura durante séculos. E é esse mesmo interior que está encarregado de diminuir o déficit da nossa balança comercial. Pois ele é um grande produtor de proteína animal e o responsável pela segunda maior safra de grãos do mundo. Entretanto, eu me pergunto para onde se exiliou a sua alma gentil, amiga e solidária?

Já percorremos muitos atalhos e caminhos importados e impostos. Acredito que a saída para o nosso futuro, está na nossa vida simples e solidária, nos nossos hábitos e costumes, tradições e, sobretudo na nossa alma gentil e altaneira. Enfim, o traço cultural que nos distingue! Apesar de todos erros, equívocos e desencontros, um dia iremos nos reconciliar e estabelecer uma relação econômica/política com a nossa rica cultura que se descortina e impõe diariamente a nossa frente, mas que os nossos olhos forasteiros se recusam a enxergar.

P.S. Poucas culturas no mundo possuem uma riqueza e continuidade comparáveis. Por isto se torna tão dramática a nossa incapacidade de estabelecer uma identidade política e econômica. Desconfio de que isso se deu assim, porque, com frequência demasiada, temos buscado ou imposto modelos de desenvolvimento sem muita relação com a nossa realidade cultural. Mas é por isso, também, que a redescoberta dos valores culturais talvez possa nos dar, com esforço e com um pouco de sorte, a visão necessária das coincidências entre a cultura, a economia e a política. Quem sabe seja esta a nossa missão no século vindouro. (Calos Fuentes – O Espelho Enterrado, p. 09/10, Ed. Rocco -2001)Renato Gomes Nery. E-mail – rnery@terra.com.br

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