A CASA DOS MEUS PAIS

 

Estive na semana passada na cidade do interior onde passei a minha infância. A casa em que moramos está lá no mesmo lugar. Como é penoso voltar lá no meu passado, quando tanta gente não existe mais: meus pais e duas das minhas irmãs já se foram para outro plano. Nem sempre eu tenho coragem de visitar aquela casa, o peso das lembranças me deixam atordoado e saio de lá, com a sensação de que tudo foi um sonho que me persegue, insistente e impiedosamente.

As lembranças chegam a mim aos retalhos … .aos pedaços…. Os ganchos da rede antiga onde meu pai divagava, contava histórias e afinava o seu amado violão estão lá intactos…Os acordes e sons da sua voz nas canções antigas….  Minha mãe a lavar, passar roupas e dar andamento nos afazeres domésticos na cozinha, com a ajuda das minhas irmãs….. O meu pai sempre pronto para almoçar, religiosamente, às 11:00 horas…. Os carros que eu fazia com caixas de fósforos e rodas com tampas de borracha dos vidros de penicilina…. As pandorgas…. Os telefones com latas de leite Ninho ligadas por uma linha, com os quais eu me comunicava com os meus amigos…. O avião feito com caibro de cobertura esculpido a golpes de canivete e coberto com papel brilhoso das carteiras de cigarro…. Enfim, tudo era artesanal e fabricado por mim, pois não havia nem dinheiro e nem a profusão de brinquedos industrializados de hoje.

 O pião e os jogos de bolita…. O meu cachorro de nome Dourado… O pé de manga rosa….  A caixa de engraxate….  A arapuca de prear passarinhos….  A crença de que engolir  peixes pequenos se aprendia a nadar….. O estilingue, as braçadas e os mergulhos no Rio Santana… Os meus amigos de folguedos…. Os famosos Far West anunciados, com ênfase, pela voz grave de Mané Baleia, no serviço de alto falante do Cine Bar Imperial, situado ao lado da minha casa. Um mundo simples, acolhedor, humilde e pronto onde não faltava nada.

Quando eu voltava de férias ou ia lá a passeio, a minha mãe preparava, de véspera, a minha iguaria predileta: costela de panela com pirão de farinha de mandioca, pimenta do reino e cominho. Além do cuscuz salgado com farinha de milho e manteiga de leite que se derretia em cima daquela iguaria quente. E o bolo de cinco minutos, que eu comia, sofregamente, a deliciosa casca… O biju de farinha de mandioca com coco ralado lambuzado com manteiga de leite.

 “Eu tenho fases como a lua. Fases de andar escondida e fases de vir para rua….  E  roda a melancolia seu interminável fuso” (Lua Adversa – Cecília Meireles). E esse é um período taciturno….. e essas memórias doloridas e arbitrárias que chegam, quando querem e vão embora, quando menos se espera…..

Renato Gomes Nery. E-mail – rgnery@terra.com.br

Deixe um comentário