Acabei de ler o livro de Aécio Pamponet – Retalhos – Editora Zarte – Feira de Santana-BA – Ed. 2019. Há muito tempo não me chegava as mãos um livro da singeleza e de magnitude tão impares.
O autor consegue fazer sua autobiografia contando fatos isolados, que entrelaçam entre si e prendem o leitor do início ao fim, através de diversos textos sobre a sua trajetória. De menino humilde do interior da Bahia a universitário, líder estudantil e preso político com direitos suspensos. Um escritor sensível, singelo e fecundo. E também político sem futuro por formação e temperamento, seara onde teve severos desapreços e decepções. Bem como a família e os amigos que ele trata com generoso apreço.
Um homem moldado com os reveses da vida que ele ama sem rancor ou ressentimentos. Enfim, como poucos, aprendeu que aos homens salva o caráter. “Vou morrer preferindo o caráter às ideologias”.
O autor é um mestre nos ensinamentos da vida e o livro um aprendizado. De uma sensibilidade tangível. Um fiel escudeiro de Guimarães Rosa e Manuel de Barros. Autores que ele cita com propriedade e em profusão, para dar maior abrangência, beleza e consistência na obra. Veja algumas pérolas do livro:
– Onde não há terra boa, vicejam ervas daninhas. Onde não há liberdade, manda a estupidez.
– Ela a vida, só ficou me devendo a criança que o mundo dos homens sérios um dia me roubou;
– E que a sua obsessão argentária lhe rendeu resultado econômicos, mas lhe negou viver com desapego, leveza e alegrias, por que não aprendeu que o dinheiro é o grande equívoco da vida;
– Vai, amigo-irmão. Por que a lei da vida é perder. A gente vive mesmo é para subtrair. Cada um dos nossos quando se vai, leva um pouco da gente;
– Há pessoas imortais dentro de nós.
O que fazer diante do destino selado, da truculência, da insensatez, da desesperança e dos reveses da vida: continuar remando na “terceira margem do rio”.
O autor é uma pessoa que e eu gostaria de encontrar para conversar – “….. para bestar, para ficar idiotando pelas calçadas pra lá pra cá”, como afirma, com propriedade e pertinência, o seu amigo Francisco Dantas.
A última pérola do autor – No tempo que ainda me resta, quero viver como sempre vivi: plantando flores na caatinga e colecionando retalhos da vida -.
Por fim, uma síntese que evoco para finalizar estes toscos rabiscos: – Do que deixei escrito nestas páginas se desprenderão sempre – como nos arvoredos de outono e como no tempo das vinhas – as folhas amarelas que vão morrer e as uvas que viverão no vinho sagrado – (Pablo Neruda – Confesso que vivi).
Renato Gomes Nery. E-mail – rgnery@terra.com.br