A questão da culpa ganha destaque quando nos deparamos hoje com autoridades que deixam ou omitem as traquinagens, desmandos e crimes de seus subordinados e, após escândalos e mais escândalos, dizem que não sabiam. E adentra para a questão dos entusiastas que ajudaram a entronizar estas autoridades e dizem que não sabiam que foram enganados por elas. Sabiam ou não sabiam? Eis a questão que tentei responder em outra ocasião.
Quantos de nós, acreditando nos bons propósitos e excelentes programas, ajudamos entronizar tantas e nefastas representações políticas e, ora, estamos desapontados com elas, porque constatamos que o único objetivo era o poder que conquistaram as nossas custas e viraram as costas para tudo que pregavam (inclusive ideais e idéias que comungaram ao longo da vida), em prol de ideologias e programas duvidosos, de privilégios, benefícios pessoais, familiares e de grupos e mesmo da manutenção pura e simples do Poder. À revelia está o País que continua o mesmo, infelicitado por tantas e tão graves injustiças. Será que não temos culpa por isto? E aqui reside a questão da omissão e da responsabilidade, do entusiasmo e dos entusiastas, abordada de forma genial por Milan Kundera, em seu Livro memorável, denominado A Insustentável Leveza do Ser – 45ª Ed. Nova Fronteira, pag. 177/178, ao descrever sobre a implantação do Regime Comunista e os danos que ele causou a Europa Central –
– A história de Édipo é bem conhecida: um pastor, tendo encontrado um recém nascido abandonado, levou ao rei Pólibo, que o criou. Quando Édipo cresceu, encontrou num caminho das montanhas um carro em que viajava um príncipe desconhecido. Os dois se desentenderam, e Édipo matou o príncipe. Mais tarde casou-se com a rainha Jocasta e tornou rei de Tebas. Não suspeitava que o homem que tempos atrás assassinara nas montanhas era o seu pai, e que a mulher com quem dormia era a sua mãe. Enquanto isto a sorte perseguia seus súditos, dizimando-os com doenças. Quando Édipo compreendeu que era o único culpado por esses sofrimentos, furou os olhos com espinhos e, cego para sempre, partiu de Tebas.
Conclui o Autor….
Aqueles que pensam que os regimes comunistas da Europa Central são obra exclusiva dos criminosos deixam na sombra uma verdade fundamental: os regimes criminosos não foram feitos por criminosos, mas por entusiastas convencidos de terem descoberto o paraíso. Defendiam corajosamente esse caminho, executando, por isso, centenas de pessoas. Mais tarde ficou claro como o dia que o paraíso não existia, e que, portanto, os entusiastas eram assassinos.
Assim todos acusavam os comunistas: vocês são os responsáveis pelas desgraças do país ( que está arruinado), pela perda de sua independência (caiu sob tutela dos russos), pelos assassinatos judiciários.
Os acusados respondiam: não sabíamos! Fomos enganados! Acreditamos! Somos inocentes do fundo do coração!
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Sabiam ou não sabiam? Mas: seriam inocentes apenas por que não sabiam? Um imbecil sentado no trono estaria isento de toda responsabilidade somente pelo fato de ser um imbecil?
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Édipo não sabia que dormia com sua própria mãe, e, no entanto, quando compreendeu o que tinha acontecido, nem por isso se sentiu inocente. Não pôde suportar a visão da infelicidade provocada pela ignorância, furou os olhos e, cego para sempre, partiu de Tebas.
Pois é, tatu não sobe em árvore. E quem os botou lá não é capaz de tirá-los. E não espere que eles tenham a coragem moral de Édipo que quando não pode suportar e infelicidade provocada por ele furou os olhos e partiu de Tebas. Se eles não furam os olhos, pelos menos tenhamos nós a dignidade de assumir a nossa responsabilidade pelas nossas escolhas, pelos freqüentes e insistentes desmandos deste Brasil varonil.
Renato Gomes Nery – advogado em Cuiabá-MT – E-mail – rgnery@terra.com.br